EXERCÍCIO EXEMPLIFICATIVO DA SUPRESSÃO DE DIREITOS
Jamais esqueçamos as tropelias de que os trabalhadores têm sido vítimas, sobretudo imediatamente antes e durante a intervenção da troika, salientando a razia de direitos devido à Lei 12-A/2008.
No anterior número do «Jornal do STAL» debruçámo-nos sobre alguns aspectos sobre a regulamentação das carreiras, referindo o que se tem passado, de uma forma geral, com todas as carreiras da Administração Local, e focando, a título de exemplo, a carreira de Agente Único de Transportes Colectivos e as carreiras operárias.
E dissemos então que, numa próxima edição, avançaríamos com outros exemplos, bem elucidativos do extermínio das carreiras em geral, e da degradação sistemática do sistema retributivo, por força da sua regulação por via da inqualificável Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, cujos princípios o Governo continua a aplicar, nomeadamente na revisão das chamadas “carreiras não revistas”.
Reiteramos aqui as tropelias de que os trabalhadores têm sido vítimas, sobretudo imediatamente antes e durante o tempo de intervenção da troika, salientando a razia de direitos imposta pela Lei 12-A/2008 e a sua subsequente regulamentação, que constituiu os alicerces de um edifício inquinado pela afirmação de princípios absolutamente perversivos de uma vida profissional digna, que todos os trabalhadores merecem, com repercussões que continuam a sentir-se hoje, com enorme gravidade, e que temos de continuar a combater.
PROGRESSÃO TRITURADA…
É sob este contexto que hoje, e também a título de exemplo, vamos valer-nos, especialmente, da carreira de Técnico Superior para, uma vez mais, demonstrarmos que a derrocada de que falámos a todos atingiu, ainda que os seus efeitos tenham sido mais ou menos perniciosos, consoante a situação profissional e familiar de cada trabalhador.
Recordamos, assim, que a carreira de Técnico Superior integrava cinco categorias, cada uma com quatro escalões, pelo que a evolução dos trabalhadores se efectuava por progressão e promoção.
A progressão a um escalão superior, da mesma categoria, exigia o decurso de três anos de serviço num escalão inferior, enquanto a promoção, isto é, o acesso a uma categoria superior, era possível por concurso, exigindo-se, em regra e conforme as categorias em causa, três anos classificados de Muito Bom ou cinco anos classificados de Bom, exercidos em cada uma das dessas categorias.
A partir de 2009, como sabemos, esse processo evolutivo foi triturado, ficando estes trabalhadores, como os demais, das chamadas carreiras gerais, espoliados de qualquer hipótese de promoção e com a progressão obrigatória condicionada à posse de, pelo menos, 10 pontos, obtidos nas respectivas avaliações de desempenho.
Na transição para o actual regime, em 2009, foram-lhes aplicadas regras idênticas às dos restantes, transitando assim, sem qualquer aumento salarial, mesmo que a respectiva remuneração não coincidisse com qualquer posição da nova “carreira”, do que decorreu, em muitos casos, a atribuição de posições intercalares, com o consequente rol de injustiças daí decorrentes.
… E REGRA PERVERSA
Exemplificando com a situação dos técnicos superiores de 2.ª classe, constatamos que, em 2009, todos foram integrados em posições intercalares, dado que os valores dos respectivos escalões não coincidiam com qualquer das posições da nova “carreira”.
Mas desse reposicionamento decorreu que, numa futura progressão, os respectivos impulsos salariais foram de 34,33€, 188,81€, 120,15€ ou 51,50€, conforme estivessem no 1.º, 2.º, 3.º ou 4.º escalão, respectivamente, o que espelha bem a perversão de uma regra de transição imposta pelo art.º 104.º, da Lei 12-A/2008, tão fortemente discriminatória do direito a uma realização profissional digna.
Nesta nova “carreira” foram também integrados trabalhadores da anterior carreira técnica, sendo que alguns destes já eram licenciados e outros obtiveram esse grau académico.
Todavia, na generalidade da Administração Pública foi-lhes negada a integração na 2.ª posição remuneratória, direito que o art.º 38.º da Lei 64-A/2008 (Lei do Orçamento do Estado para 2009) atribuiu a quem fosse admitido por concurso, pelo que defendemos, com assinalável êxito, que igual posição mínima teria de ser atribuída a quem já detivesse ou viesse a adquirir essa habilitação.
Lamentavelmente, porém, não foi esse o entendimento perfilhado na generalidade da Administração Pública, tratando-se mais desfavoravelmente quem já detinha assinalável experiência funcional, comparativamente com recém-admitidos, por concurso!
RESULTADOS DEPLORÁVEIS…
Os exemplos que acima explicitamos, decorrentes da atribuição de diferentes impulsos salariais, constatam-se também, com maior ou menor dimensão, nas outras categorias existentes antes da transição para a actual “carreira” de Técnico Superior, como também nas carreiras de Assistente Operacional e de Assistente Técnico.
Como se constatam, igualmente, nos processos de revisão das carreiras, juridicamente chamadas “não revistas”, como de resto recentemente exemplificámos e consta do parecer que emitimos aquando da apreciação do projecto de diploma regulador das carreiras de Informática, que, entretanto, deu origem ao Decreto-Lei (DL) 88/2023, que mantém as perversões que desde sempre identificámos e combatemos.
E igualmente se verificam, como nódoas indeléveis, noutros processos, recordando o respeitante à revisão das carreiras de fiscalização, consubstanciada no DL 114/2019, que, por um lado, destruiu as carreiras do anterior grupo técnico-profissional, com a criação da chamada carreira especial de fiscalização, e, por outro, impôs que as restantes profissões, do grupo auxiliar, passassem a carreiras subsistentes, do que tudo decorreu uma grosseira desvalorização do estatuto profissional destes trabalhadores.
Daqui se infere que o actual regime de carreiras continua a beber os princípios instituídos pela famigerada Lei 12-A/2008, mantendo o Governo, passados mais de 15 anos, a imposição desses princípios.
Simultaneamente, tem fechado completamente os olhos à degradação da Tabela Remuneratória Única (TRU) e das tabelas indiciárias ainda vigentes para algumas carreiras, com resultados absolutamente deploráveis.
CONTORCIONISMO MATEMÁTICO
Quanto à TRU, os cinco primeiros níveis foram absorvidos pela remuneração mínima da Administração Pública, praticamente igual ao Salário Mínimo Nacional, continuando o Governo a esgrimir um notável contorcionismo matemático, defendendo que, afinal, 5 é igual a 1! Disso decorre que a regra da proporcionalidade remuneratória, consignada no art.º 147.º da LTFP, é uma falácia, imposta à revelia da lei!
Voltando a socorrer-nos do que se passa com os técnicos superiores, verificamos que essa regra de proporcionalidade está completamente degradada. De facto, enquanto em 2009 havia uma diferença de 751,48€, entre o 1.º nível da TRU e o 1.º atribuível a técnicos superiores licenciados (450€/1.201,48€), essa diferença é agora de 564,15€ (769,20€/1.333,35€) panorama que, com maior ou menor dimensão, se verifica noutras carreiras.
Por exemplo, valendo-nos da carreira de Assistente Técnico, em 2009, a 1.ª posição distanciava em 233,13€ da 1.ª posição da TRU (683,13€/450€), enquanto agora essa diferença é de apenas 100,64€ (869,84€/769,20€).
DINAMIZAR A NOSSA LUTA
O actual panorama é suficientemente elucidativo da derrocada de direitos de que os trabalhadores têm sido vítimas, lamentando-se que o Governo faça olhos vesgos a esta indignidade, continuando com procedimentos obtusos e de atroz injustiça, inspirados em princípios fixados na Lei 12-A/2008, devastadores das carreiras e do sistema retributivo.
Impõe-se, assim, dinamizar a nossa luta, no sentido da recuperação do sistema de carreiras e profissões que existiu, naturalmente com as adaptações que justamente se impõem, tendo em conta o longo período decorrido, instituindo verdadeiras carreiras e identificando as respectivas profissões, e prevendo formas de evolução profissional assentes na agilização das progressões e no acesso, por promoção, a categorias superiores, como sempre defendemos.